Fatih Terim, seleccionador da Turquia, bem pode garantir que não acredita em milagres: depois do que aconteceu no St. Jakob, por certo que o seu homólogo alemão, Joachim Löw, dirá o contrário. Quem não acredita em milagres terá mais dificuldades em explicar como a Alemanha, pela quinta vez, chegou à final de um Campeonato da Europa vencendo (3-2) uma Turquia dizimada, que a dominou dos pés à cabeça. A vitória alemã reproduziu, com todos os ingredientes, os sucessivos milagres turcos dos jogos anteriores, dando uma incrível volta ao texto com um golo no último minuto. Mas os tiques da velha Alemanha demoram muito a perder-se: ao contrário dos seus adversários desta noite, e dos portugueses há uma semana, os alemães têm o «killer instinct» que lhes permite detectar e aproveitar qualquer sinal de fraqueza, contra tudo o que as evidências lhes vão dizendo.
A Turquia, mesmo com um onze improvisado, jogou como nunca o tinha feito até aqui. E esse foi, talvez, o seu maior pecado, ao deixar para os alemães o papel que os homens de Terim tão bem desempenhavam: o de resistentes, que têm na autoconfiança a única tábua de salvação para um jogo aparentemente perdido.
Este foi, felizmente para quem o viu, um jogo de muitos erros. E só por isso foi tão emocionante. Começou com os erros defensivos da Alemanha, paralizada pelo atrevimento turco dos primeiros minutos, com Kazim e Sarioglu como maiores símbolos. O acidentado golo de Boral, aos 21 minutos (aquela defesa alemã, Santo Deus!), coroava um domínio com tanto de empolgante como de surpreendente.
Mas os erros estavam a ser devolvidos do outro lado: as frequentes ausências do lateral-direito turco abriam caminho para Podolski. À primeira tentativa, com uma cópia do primeiro golo a Portugal, os alemães voltavam a colocar-se na corrida graças ao oportunismo de Schweinsteiger. À segunda, Podolski concluiu um «sprint» solitário de 50 metros com um remate por cima da trave.
Estas foram as únicas ocasiões em que os alemães respiraram fundo. Porque poucas vezes se viu uma Alemanha tão desordenada, tão à toa como nessa primeira parte em que a Turquia rematou 15 vezes e os alemães apenas três. O carrocel turco, animado por Ayhan e Altintop, continuou a mandar no jogo, beneficiando da implacável marcação a Ballack, feita por Mehmet Aurélio, que privava a «mannschaft» dos neurónios que só o médio do Chelsea parece capaz de dar-lhe.
A segunda parte foi um pouco diferente. Mas só um pouco. Com Frings no lugar de Rolfes, e uma maior frequência de faltas, a Alemanha conseguiu pelo menos quebrar a fluência dos passes de vermelho. O jogo era menos bonito, os erros avolumavam-se. Como os do árbitro que, ao não punir um derrube claro de Sarioglu a Lahm, mesmo no limite da área, abriu a torneira do disparate, perdendo o controlo dos acontecimentos.
Últimos quinze minutos. A Turquia, que nos cinco jogos deste Europeu só esteve 15 minutos à frente do marcador, continuava a mandar na bola. Mas, talvez deslumbrada pela dimensão do baile, voltou a afrouxar na defesa. Lahm teve espaço para um cruzamento aparentemente inofensivo, Klose, por uma vez, antecipou-se a Topal e a saída disparatada de Rustu fez o resto: 2-1 para a Alemanha, um estádio incrédulo perante tamanha crueldade.
O incrível temperamento turco tinha assim mais um pretexto para se exibir, em contra-relógio. Não falhou o encontro: Sarioglu, tão bom a atacar como problemático a defender, ganhou a linha e permitiu a Semih Senturk o empate mil vezes merecido. Mas, desta vez, o golo chegou cedo de mais. A tempo de permitir aos alemães um último fôlego. A tempo de permitir a Lahm resgatar-se de uma noite de mil sofrimentos, cavando no flanco direito da defesa turca o terceiro e definitivo golo, que acabou com um jogo louco e inesquecível. Mais um, num campeonato da Europa que não cessa de nos maravilhar. Mesmo quando são os melhores a ficar pelo caminho.
Fonte:
maisfutebol